Adaptações fisiológicas ao trabalho de musculação

Julimar Luiz Pereira *
Elizabeth Ferreira de Souza *
Mario André Mazzuco *
Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Yan (2000) define adaptação como uma mudança na estrutura, função ou forma que melhora as condições de sobrevivência para um animal em um dado ambiente. O músculo estriado esquelético é um tecido dinâmico com grande capacidade de adaptação produzida por alterações de demanda funcional. Conforme Alberts et al (1997), o músculo esquelético é uma célula gigante formada pela fusão de células isoladas que mantém seus núcleos logo abaixo da membrana plasmática. O citoplasma é composto fundamentalmente por miofibrilas, que são os elementos contráteis da célula. Isto tudo caracteriza o músculo esquelético como uma célula altamente especializada e compartimentalizada.

O exercício físico é um potente indutor de adaptações nas estruturas neuromusculares. Estas mudanças estão relacionadas sobretudo ao tipo e exercício desenvolvido, porém o exercício característico de força muscular é o melhor estímulo para induzir mudanças nas estruturas musculares (Wilmore e Costill, 2001; Garret Jr e Kirkendall, 2000).

O Colégio Americano de Medicina do Esporte ressalta que a força muscular é um componente fundamental da saúde, aptidão física e melhora da qualidade de vida (Kraemer et al, 2002).

Entre as respostas ao treinamento de força muscular está a hipertrofia muscular, que consiste num acúmulo proteico, produto de uma maior síntese de proteínas e uma diminuição de sua degradação (Booth e Thomason, 1991). Conforme Phillips et al (1997) a síntese proteica no músculo esquelético é aumentada após treinamento intenso com pesos, sendo que alcança seu pique em torno de 24 horas pós-treino e permanece elevada até 36-48 horas pós-exercício (MacDougall et al, 1995).

Adaptações neurais

Os ganhos de força podem ser produtos de dois tipos de fatores: as adaptações neurais e as adaptações miofibrilares (hipertrofia muscular). Diversos autores observaram que os ganhos ocorridos nas primeiras semanas são resultado, sobretudo, de adaptações nos mecanismos relacionados ao sistema nervoso, enquanto que melhoras posteriores estariam ligadas ao aumento dos componentes contráteis do músculo esquelético. O período em que esta resposta se dá parece estar relacionado à periodização do treinamento e a individualidade de cada sujeito, no entanto parece situar-se entre a sexta e a oitava semana de treinamento (Moritani e de Vries, 1979; Staron et al, 1994; 1991).

Perspectivas mais recentes sugerem que a resposta hipertrófica das miofibrilas musculares pode ser limitada, supondo um período em torno de 12 meses. Ganhos posteriores seriam atribuídos sobretudo a uma segunda fase de adaptação neural. (Deschenes e Kraemer, 2002).

Alguns estudos têm demonstrado outros processos adaptativos que poderiam contribuir para o aumento da força muscular em resposta ao treinamento, como a inibição de antagonistas (Hakkinen et al, 1998), expansão de área da junção neuromuscular (Deschenes, 2000) e melhor sincronia nas unidades motoras (Milner-Brown et al, 1975). A importância das adaptações neuromotoras ao trabalho de força pode ser verificada principalmente em experimentos envolvendo o treinamento de apenas um segmento corporal. Nesse caso, os segmentos contralaterais não submetidos ao treinamento de força apresentam também aumento nos graus de força muscular (Shaver, 1970; Sale, 1988).

Adaptações contráteis

A hipertrofia muscular não é possível sem o acréscimo de proteína contrátil, de forma que a ingesta alimentar torna-se de fundamental importância para garantir um balanço nitrogenado positivo. Williams (2002) sugere para um sujeito jovem uma necessidade adicional de 3500 calorias para a síntese de 450 gramas de tecido muscular. Diversos autores citam a hiperplasia como outra possível adaptação ao treinamento resistido, mas esta adaptação teria pequena participação no crescimento muscular, algo em torno de 5% (MacDougal apud Deschenes e Kraemer, 2002). Mais recentemente McGall e colaboradores (1999) demonstraram que a hipertrofia muscular em humanos acontece na ausência de hiperplasia.

Um importante mecanismo associado às respostas ao treinamento de força é a ativação de células quiescentes localizadas entre o sarcolema das miofibrilas e sua matriz extracelular, conhecidas como células satélites. Sabe-se que a matriz extracelular é uma região abundante em fator de crescimento insulina-like I (IGF-I) (Sara e Hall, 1990). Mediante o stress induzido pelo exercício ou uma situação de lesão, a ação local dos fatores de crescimento específico levaria ao surgimento de novos núcleos, que, somado a síntese adicional de proteínas levaria a um aumento da massa muscular (Alberts et al, 1997; Deschenes e Kraemer, 2002).

Tipos de fibras

É de consenso o impacto do trabalho de força sobre as fibras do tipo II, que mediante trabalho prolongado apresentam um aumento percentual sobre as fibras do tipo I (Kraemer et al, 1995; Volek et al, 1999). A maior concentração de fibras do tipo II é verificada pela expressão de miosinas de cadeia pesada do tipo IIx (MHC-II) (Alberts et al, 1997). Aagaard e Andersen (1998) verificaram que a concentração percentual de MHC-II no quadríceps femoral está relacionada positivamente com a força concêntrica máxima desenvolvida em movimentos rápidos e moderados. Entretanto Staron et al (1991) sugerem que tal mudança se dá após longo período de treinamento.

Conforme Fleck e Kraemer (1999), embora não haja conversão para o tipo I, estas fibras também respondem ao treinamento resistido, todavia não com a mesma intensidade que fibras do tipo II. Staron et al (2000) observaram que em homens a concentração de fibras do tipo II responsivas ao treinamento tende a ser significativamente maior do que em mulheres.

Adaptações endócrinas

Diversos estudos têm enfocado as respostas agudas e/ou crônicas dos diferentes hormônios ao treinamento resistido. Muitos desses trabalhos são contraditórios, o que sugere atenção à individualidade biológica, ao treinamento aplicado e as metodologias empregadas.

A testosterona é o principal hormônio masculino relacionado ao crescimento muscular. Alguns estudos demonstraram um significativo aumento dos níveis séricos em resposta ao treinamento de força (McCall et al, 1999; Deschenes et al, 1998; Kraemer et al, 1998), enquanto que outros não observaram aumentos significativos nos níveis de testosterona (Kraemer et al, 1995; Hakkinen et al, 1988; Alen et al, 1988). Valores basais de testosterona em homens apresentam-se muito maiores do que os níveis observados em mulheres; nestas, as taxas de hormônio do crescimento (GH) se apresentam relativamente mais elevadas, bem como apresentam respostas mais intensas ao exercício (Marx, 2001; Kraemer et al, 1990; Gotshalk et al, 1997). Estes achados apontam para o GH como o principal hormônio indutor do anabolismo muscular em resposta ao treinamento de força em mulheres. A longo prazo não são observados incrementos nos níveis de GH durante o repouso, tendo sido identificadas inclusive breves reduções no níveis séricos (Marx et al 2001). Estudos conduzidos por Kraemer et al (1990), Gotschalk et al (1997) e Kraemer et al (2001) têm levantado informações que permitem afirmar que o GH surge como o hormônio mais responsivo às variáveis do treinamento como intensidade, intervalos de repouso (intervalos curtos apresentam maior impacto sobre as taxas) e regime de contração (contrações excêntricas e mais longas causam elevações mais significativas nos níveis séricos). A mesma responsividade não é apresentada por outros hormônios, como a testosterona e o cortisol.

Na perspectiva dos agentes biológicos como função anabólica, o IGF-I ou fator de crescimento para insulina assume um papel de destaque no desenvolvimento muscular induzido pelo treinamento de força. Esse elemento biológico apresenta ação sobre a desaceleração da proteólise, necessária ao anabolismo (Sara e Hall, 1990; Daughaday e Rotwein, 1989). Garret Jr e Kirkendall (2000) mencionam os IGF-I como envolvidos no aumento do consumo de aminoácidos e na síntese de glicose, além de estimularem a mitose celular. Yan et al (1993) e DeVol et al (1990) observaram que o treinamento de força intenso pode induzir elevação nos níveis de IGF-I, inclusive com a verificação de que o mencionado fator de crescimento pode ser sintetizado e secretado pelo próprio músculo esquelético. Em sentido contrário, Nindl et al (2001) e Kraemer et al (1995) não observaram a mesma resposta de aumento do IGF-I. Respostas crônicas nos níveis circulatórios de IGF-I também são conflitantes, enquanto McGall et al (1999) Kraemer et al (1998) e Hakkinen et al (2001) não observaram alterações nos níveis basais, Marx et al (2001) e Borst et al (2001) encontraram elevações significativas após 12 e 13 semanas de treinamento resistido.

O catabolismo muscular é mediado sobretudo pelo cortisol, hormônio glucocorticóide que tanto apresenta efeito na estimulação da degradação protéica como na inibição da síntese de proteína muscular (Florini, 1987; Alberts et al, 1997). A ação do cortisol se dá tanto sobre as fibras lentas como sobre as rápidas, porém nestas últimas o impacto é mais pronunciado (Kelly e McGrath, 1986), sendo potencializado atenuação verificada sobre agentes anabólicos como a testosterona, o GH e a insulina (Bricout et al, 1999; Dianan et al, 1994; Loehrke et al, 1996 apud Deschenes e Kraemer, 2002). Os aumentos nos níveis de cortisol são observados sobretudos em situações de stress (Alberts et al, 1997; Garret Jr e Kirkendall, 2000). Desta forma, o exercício resistido intenso apresenta-se como um potente agente estressante e pós-treinamento verificam-se grandes elevações nos níveis de cortisol circulante (Marx et al, 2001; Kraemer et al, 1998). As respostas crônicas podem apontar para níveis atenuados nas condições de repouso (Kraemer et al, 1998; Alen et al, 1988 apud Deschenes e Kraemer, 2002). Esta resposta é compatível com o desenvolvimento de hipertrofia induzida pelo exercício.

Adaptações bioenergéticas

Estudos de Volek et al (1999) e Tesch (1992), direcionados à análise das vias energéticas têm demonstrado um perfil inalterado do fosfágeno muscular e das enzimas relacionadas à geração de energia anaeróbia alática (creatinaquinase e mioquinase). Conteúdos musculares de glicogênio e de enzimas relacionadas à glicólise parecem também não elevar-se significativamente em função do treinamento de força específico (Houston et al, 1983, Tesch et al, 1990 apud Deschenes e Kraemer, 2002).

Em relação ao metabolismo de gorduras, Staron et al (1984) e Chilibeck et al (1999) observaram diminuição nas reservas musculares após o treinamento com pesos. Comprovando as adaptações específicas ao exercício físico, a concentração de algumas enzimas envolvidas no processo de geração de energia aeróbia tem apresentado diminuição após o trabalho de musculação, como no caso da citrato sintase e da succinato desidrogenase (MacDougall et al. 1979; Staron et al, 1984; Green et al, 1999; Chilibeck et al, 1999). Organela celular responsável pela geração de energia, a mitocôndria apresenta redução na sua densidade, principalmente em função da hipertrofia celular (MacDougall et al, 1979 e Chilibeck et al, 1999). Tesch et al (1992) sugerem ainda diminuições no conteúdo de mioglobina em resposta ao treinamento com pesos.

Adaptações da composição corporal

De forma geral os maiores consensos relacionados às adaptações ao treinamento com pesos são encontrados entre os indicadores de composição corporal. Observam-se respostas significativas em ambos sexos e faixas etárias, tanto em atletas como em não-atletas. Diversos pesquisadores observaram aumento da massa corporal magra, bem como diminuição nos conteúdos de gordura sub-cutânea após o trabalho com pesos (Staron et al, 1991; MacDougall et al, 1977; Kraemer et al, 2000; Hunter et al, 2000; Fleck e Kraemer, 1999).

Com relação às características do trabalho de musculação, além da sua alta especificidade verifica-se a grande vantagem do controle de diversas variáveis do treinamento, como intensidade e volume. A carga, o número de repetições o intervalo de repouso, entre outras acabam por tornar a periodização do exercício uma arte capaz de induzir diversas respostas e adaptações do músculo esquelético.

Hortobagyi et al (1993 apud Mujika e Padilla, 2001) verificaram que o condicionamento de força muscular induzida pelo treinamento excêntrico apresentou perdas mais acentuadas do que os progressos obtidos a partir do exercício concêntrico. Isto pode indicar a importância assumida pelo regime de contração excêntrica nos programas de treinamento de característica neuromuscular, e que se apresenta no treinamento muscular como um dos seus principais componentes. Do ponto de vista metabólico verifica-se, segundo Badillo e Ayestaran (2001) e Bacurau et al (2001), predomínio das vias energéticas anaeróbias, porém com gasto energético significativo e que em função da ação dos hormônios anabólicos como o GH e a testosterona favorecem a utilização não só da glicose como substrato energético, mas também da gordura.

Com relação ao impacto sobre as características teciduais do músculo esquelético, observa-se como principal resposta à prática da musculação o processo de hipertrofia, tendo como principal alvo as fibras do tipo II ou rápidas.

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